domingo, 29 de dezembro de 2013

"CONVERSAS COM MARIA" - Rita Bittencourt






Maria é uma mulher bonita , elegante, cheirosa. Agora está apenas cheirosa. Incrível como a idade e a amargura  apagam os traços antes marcantes e belos, o entusiasmo de disfarçar aqueles traços desfavoráveis com um batom, uma franja, um lápis no olho.
- Partiram todos.
-É eles partes...
- E quando vêm têm o desconforto dos estranhos. Perscrutam o teto, falam do tempo, cruzam e descruzam as pernas, não sabem onde colocar as mãos.
- É verdade...
- Não fixam os olhos em nós, como se lhes pudéssemos ler as almas.
-É...
-Almas que conhecíamos tanto...
- É mesmo...
- Almas que mudaram tanto. O que trazem nelas que não vemos mais?
- Não sei. Mudaram...
-Têm medo de que lhes desnudemos as entranhas.
- Talvez...
- Será que mudaram tanto, que não os conhecemos mais?
- Talvez...
- E essa casa que nos dias de festas era tão alegre? Sempre fiz questão de gruda-los em mim nessas épocas de Natal e Ano Novo. Isso aqui fervilhava... Uma alegria só, os fogos pipocavam ao redor, estrelas caiam por todos os lados, eu lá e cá dando beijos e abraços em todos, José,  hoje tão doentinho, naquela alegria toda, observando a festa e gargalhando. Isso aqui coalhava de amigos que não tinham pra onde ir, que solicitavam  "convite" (?) pra cear. Acolhíamos estranhos que hoje nos vêm e nos desconhecem.  Champanhe, comidas, frutas, doces... E sempre cabendo mais um, que chegava pelo meio da noite...
- Estive por aqui em todas, em todos os momentos, em toda a sua vida...
-É você nunca me abandonou.
-Não posso...
- Por que não pode? Todos fazem isso, mais cedo ou mais tarde!
- Inda não é a tempo, Maria, não é do meu feitio, sou a face sem rebeldia... Mas tenho uma mala pronta para partir quando for chegada a hora.
- Uma mala, você não precisa de mala, sempre dá um jeito em tudo!
-É modo de dizer... Não é uma mala de verdade, é o chegar da hora, é determinação, é destino, é mando de Deus. E por tudo isso  inda   não posso  porque  tenho muitos à minha volta que riem com o meu riso, que choram com o meu choro, que se esperançam com o meu entusiasmo e que não partem, assim, por não ter mais o que dizer. Não partem, simplesmente,  essa partida com presença, porque têm muito a me dizer todos os dias,  porque me amam. Por isso não parto, por eles, não parto por você, pois  eu sou você! E vamos arrumar essa cara, colocar um vestido branco lindo, iluminar esses olhos verdes que Deus lhe deu, passar um batom, arrumar os cabelos e esperar esse 2014 de peito aberto pro que der e vier! E quando tudo terminar a gente vai pra CURITIBA!
- Combinado!

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